A tradução dos escritos hebreus para a língua grega foi um processo relacionado à mudança do panorama geopolítico no Antigo oriente Próximo.
Quando Alexandre, o Grande, liderou seus exércitos de língua grega e conquistou os persas, incorporou os vastos territórios desse império. Ao mesmo tempo, entrou em operação uma política de dominação cultural: a helenização.
Embora Alexandre tenha morrido antes de realizar seu suposto ideal de sedimentar conquistas por meio da unidade política, mediante um conjunto de ações de uniformização cultural, seus sucessores estabeleceram vários reinos duradouros, com base nos quais promoveram a língua, a literatura e a religião gregas em toda a região do Mediterrâneo Oriental.
Regido por descendentes de Ptolomeu – general de Alexandre –, o Egito era habitado por uma grande comunidade de judeus da diáspora em sua principal cidade portuária: Alexandria.
Em cerca de 250 a.C., durante o reinado de Ptolomeu II (285-246 a.C.), estudiosos judeus se comprometeram a traduzir para o grego a Bíblia Hebraica, começando pela Torah.
De acordo com uma lenda preservada na Carta de Aristeas, 72 estudiosos de Jerusalém trabalharam em pares 72 dias para produzir uma tradução grega da Bíblia Hebraica.
Conhecida pelo nome Septuaginta – também chamada de LXX e, popularmente, de Tradução dos Setenta –, essa tradução dos textos hebraicos e aramaicos em língua grega comum2. (κοινὴ γλῶσσά [koinḕ glôssa]) foi muito utilizada nas comunidades judaicas da diáspora. Eventualmente adotada pela comunidade cristã primitiva, é essa edição grega da Bíblia Hebraica que a maioria dos escritores do Novo Testamento cita.
Primeiras linhas da Carta de Aristeias para Filócrates
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Manuscrito da Biblioteca Apostólica Vaticana (século XI d.C.)
A divisão dos textos da Septuaginta é diferente da divisão da Bíblia Hebraica. Também há a questão dos livros que aparecem, de sua divisão e extensão.
A Septuaginta inclui traduções de alguns livros escritos em hebraico, mas não foram incluídos na Bíblia Hebraica – como, por exemplo, Eclesiástico e 1 Macabeus. Há, ainda, alguns livros compostos em grego – 2 Macabeus, Sabedoria de Salomão.
Tal dado levantou o seguinte problema:
Os judeus de Alexandria tinham uma coleção maior de Escrituras do que os judeus na terra de Israel?
A resposta é: SIM e NÃO...
Por um lado, não há evidências de que exista uma lista de livros em Alexandria distinta dos livros usados pelos judeus na Palestina. Por outro, é indiscutível que os judeus de Alexandria não estabeleceram um limite para o número de escritos sagrados, como os rabinos fizeram após a queda de Jerusalém.
A comunidade judaica em Alexandria foi praticamente aniquilada no início do século II d.C. Os cristãos que assumiram as Escrituras Judaicas em língua grega herdaram uma coleção maior e mais fluida de textos.
Séculos mais tarde, foi possível observar uma variação considerável de livros nas listas canônicas do Antigo Testamento citadas pelos pais da Igreja.
Ainda que haja tais variações, os livros que compuseram a LXX são organizados em uma divisão quadripartite:
Lei e Pentateuco:
Os mesmos livros presentes na Torah hebraica recebem, em grego, o nome de Pentateuco (πέντε [pénte], ‘cinco’, e τεύχος [téukhos] rolo) ou livros da Lei. São cinco:
1. Gênesis;
2. Êxodo;
3. Levítico;
4. Números;
5. Deuteronômio.
Históricos:
Incluem os seguintes livros:
1. Josué;
2. Juízes;
3. Rute;
4. 1 Reis (= 1 Samuel);
5. 2 Reis (= 2 Samuel);
6. 3 Reis (= 1 Reis);
7. 4 Reis (= 2 Reis);
8. 1 Paraleipoménon (= 1 Crônicas);
9. 2 Paraleipoménon (= 2 Crônicas);
10. 1 Esdras;
11. 2 Esdras (= Esdras-Neemias);
12. Tobias;
13. Judite;
14. Ester;
15. 1 Macabeus;
16. 2 Macabeus;
17. 3 Macabeus.
Sabedoria ou Poéticos:
Inclui os seguintes livros:
1. Salmos;
2. Salmo 151;
3. Oração de Manassés;
4. Jó;
5. Provérbios;
6. Eclesiastes;
7. Cântico dos Cânticos;
8. Sabedoria de Salomão;
9. Sabedoria de Jesus, filho de Sirac;
10. Salmos de Salomão.
Profetas:
Coleção que fecha a LXX com os seguintes livros:
1. Os Doze Profetas Menores
I. Oseias;
II. Joel;
III. Amós;
IV. Obadias;
V. Jonas;
VI. Miqueias;
VII. Naum;
VIII. Habacuque;
XI. Sofonias;
X. Ageu;
XI. Zacarias;
XII. Malaquias.
2. Isaías;
3. Jeremias;
4. Baruc;
5. Lamentações;
6. Epístola de Jeremias;
7. Ezequiel;
8. Daniel.
A Septuaginta tem um apêndice que, eventualmente, surge em edições manuscritas: 4 Macabeus.
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Primeira página do livro de 4 Macabeus com os 29 primeiros versículos do texto Septuaginta, Codex Sinaiticus (metade do século IV d.C.), fólio 34.
Escrito por: Renan Melo
Referências:
HILL, A. E.; WALTON, J. H. Panorama do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Acadêmica, 2006.
SCHMIDT, W. H. Introdução ao Antigo Testamento. 5. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2013.
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